Indesvendáveis



Por que não podemos sentir? Por que temos que ser fortes o tempo todo e não podemos ter nossos momentos de “meros mortais” e sentir os efeitos das nossas ações e dos outros em relação a nós?
Onde está escrito ou determinado que não podemos nos permitir? Será que está no hábito do manuseio tecnológico? Que se aperta uma tecla para apagar e outra para preencher algo. Tudo instantâneo. E, que, por isso, nos esquecemos que a construção de nós mesmos e dos momentos ocorrem artesanalmente e não como um produto padronizado, produto em série, que não se conhece o passo a passo para o todo?

Vivemos alienados. Não somente alienados no sentido de Marx, quanto à mercadoria, quanto ao processo econômico e, consequentemente social, de um contexto de sociedade. Nem somos alienados somente no sentido da informação, das notícias globais que registram os acontecimentos e desdobramentos da atualidade. Somos alienados, especialmente, quanto às nossas construções emocionais.

Desvinculamos cada experiência como se fossem independentes; criamos múltiplas personalidades (uma para cada ambiente e conveniência), mudamos de comportamento para adequar a pessoas e contextos, e perdemos a identidade de nós mesmos.

Esquecemos que, para nos formarmos como somos, foram necessários muitos encontros e desencontros, muitas perdas e muitas conquistas, muitas, muitas e muitas mudanças, transformações... (parte difícil demais, diga-se de passagem). É difícil abrir mão do que temos, para receber coisas e experiências melhores... mais difícil ainda é despir das vestes que não mais nos servem, nem às batalhas que iremos experimentar.

Corremos o risco de nos sentir frustrados ou decepcionados conosco mesmos... mas é uma avaliação errada... Quando somos crianças e crescemos, nossas roupas deixam de nos servir, e isso é sinal de desenvolvimento fisiológico... crescimento...

Quando crescemos emocionalmente, nossas “vestes” precisam ser constantemente trocadas, pela mesma razão, em um mesmo movimento... e isso é mais vitória do que perda... Mas como é difícil aceitar que estamos agarrados ao que não nos serve mais... desprender do que somos, do que fomos e abrir para o que não conhecemos.

Neste processo, apegamos a uma postura ou uma visão de mundo estabelecida. Não permitimos “a metamorfose”, nem a sensibilidade de sermos verdadeiramente quem somos, para a máscara do “eu me basto, minhas convicções representam a verdade”.

Ah, verdade!! Há quase três milênios procurada... tantos morreram, tantos viveram em busca dela... muitas conjecturas, poucas conclusões... não há quem dela tenha posse... para os cristãos, nos quais me incluo, está na vida do Cristo, e em algumas questões a mais, mas não cabe aqui explorar a ideia.

O fato é que, neste fluxo ininterrupto de sentimentos e experiências, e tudo o mais, não nos permitimos sentir... sentir nossas dores, alegrias, medos... achamos que funcionamos como aparelhos mecânicos. Somos não! Somos indesvendáveis! Somos alma! Somos humanos. Isso significa muita coisa.


Juliana Costa Khouri

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